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ECR-3: a divisão dos brancos – Leão Alves

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Mais de sete anos antes da primeira lei de cotas raciais, descendentes de imigrantes ganharam o privilégio de ter mais de uma cidadania

A contar da promulgação da Constituição de 1988, as cotas raciais não foram as primeiras medidas tomadas introduzindo diferenças de direito entre cidadãos brasileiros segundo critérios de identidade racial ou étnica.

A primeira legislação introduzindo sistema de reserva de vagas por critério de cor/raça em universidades do país foi a lei nº 3.708, assinada em 2001 pelo ex-governador do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho, que reservava “para as populações negra e parda” a cota de 40% das vagas nos cursos de graduação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e da Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF) – dois anos depois a lei foi alterada e os pardos excluídos das cotas. A primeira universidade federal a adotar sistema assemelhado foi a Universidade de Brasília (UnB), não através de uma lei, mas de uma decisão de seu Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe), em 2003. Quanto aos projetos de lei, o do Estatuto da Igualdade Racial é de 2000 e o PL das Cotas Raciais provém do PL 73/1999, da deputada Nice Lobão (PFL-MA, atual DEM), que não fazia inicialmente qualquer referência a raça ou etnia, e ao qual foi apensado o PL 3.627/2004, do Poder Executivo, redigido na administração do então ministro da Educação Tarso Genro, e que propunha reserva de vagas para “autodeclarados negros e indígenas”.

Poucos anos antes, porém, uma alteração na Constituição Federal já havia sido feita. Até 1994, adquirir outra nacionalidade por naturalização voluntária resultava em perda da nacionalidade brasileira. Naquele ano, porém, pela Emenda Constitucional de Revisão nº 3 (ECR-3), o Estado brasileiro concedeu o direito de adquirir outra nacionalidade, não para todos os brasileiros, mas exclusivamente para aqueles que tivessem reconhecimento de nacionalidade originária por lei estrangeira. Fora desta possibilidade, só em casos de imposição por norma de outro Estado. Esta alteração, na prática, aplicava-se principalmente a descendentes de imigrantes brancos da Europa e do Oriente Médio. Nacionalidade originária jus sanguinis deriva da ancestralidade, do sangue, podendo a pureza de origem ser fator para concedê-la ou não, conforme a legislação estrangeira.

A ECR-3, ao instituir a possibilidade de múltipla cidadania, marcou o início deste perigoso caminho de incentivo à fragmentação étnica e racial do povo brasileiro, e ao fazê-lo de forma discriminatória, riscou a cidadania. Significativo que na mesma emenda suprimiu-se o direito de filhos de brasileiro nascidos no estrangeiro de serem registrados como nacionais em repartição competente, o que levou muitos deles (milhares segundo alguns) a tornarem-se apátridas e exigiu nova Emenda Constitucional, a nº 54, de 2007, para ser corrigida. Este fato indica ter havida pouco ou restrito debate antes da sua aprovação.

Ao admitir que haja status diferenciado na cidadania por um critério como o reconhecimento de uma nacionalidade originária, o Estado cria um espaço para que sejam estabelecidos outros e diversos critérios, dentre eles o racial, na concessão de direitos entre nacionais. A idéia de cidadania foi (e ainda é) promissora por conceder a pessoas de povos, etnias, cores, raças, religiões diferentes, o mesmo status diante do Estado nacional. Uma cidadania comum serve para evitar conflitos tribais, religiosos, étnicos, etc. Quando se abre uma exceção, abre-se um reduto para disputas. É a cidadania rigorosamente idêntica que iguala o valor de cada nacional diante da sociedade e do Estado.

É possível um grande debate sobre isto proporcional aos conflitos que a cidadania visa evitar.

Leão Alves é médico e secretário geral do Movimento Nação Mestiça.

E-mail leao_alves@yahoo.com.br

Artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores e não representam no todo ou em parte opiniões ou posicionamentos do Nação Mestiça.

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Posted in Artigos, Leão Alves, Mestiçofobia | Desmestiçagem, Multiculturalismo, Nazismo, Português.

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6 Responses

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  1. Henrique Melchiori says

    É exatamente aí a chave da questão. Legalizando o mecanismo de dupla cidadania, o Estado brasileiro FICA SUJEITO às interpretações estrangeiras de nacionalidade ( muitas delas visivelmente racialistas, como a alemã ) e abre um PRECEDENTE, um corredor vazio para a introjeção da mentalidade racialista no Brasil. Um verdadeiro “suicídio jurídico”!

  2. Ricieri says

    O que o Brasil fêz foi tolerar a dupla cidadania. Não é o Brasil que dita as normas para se obter cidadania nesses países. E não é só o Brasil que permite a dupla cidadania. Outras nações desenvolvidas, inclusive, não tem problemas com isso.

  3. Ricieri says

    Vamos pegar um outro exemplo além do Esquimó. A lei desses países não discrimina a raça. Lembrando que este site trata da causa mestiça, afirmo que filhos de europeus com qualquer etnia ou raça do mundo tem direito a cidadania. O conjuge também. Seus filhos e netos também. Isso é o Jus Sanguini. Não há menção a raça, muito menos exclusivamente a branca.

  4. LEÃO says

    Prezado Ricieri,

    A questão principal está no fato de que estas legislações que permitem múltiplas cidadanias têm implicações sobre a cidadania brasileira no mínimo tão significativas quanto as identificações que as leis de “cotas raciais” promovem. O artigo destaca que este processo de diferenciação de direitos entre cidadãos brasileiros com base na idéia de raça, de etnia e na cor não se limita e nem se iniciou com leis instituindo cotas para pretos, pardos e indígenas.

    O que diferencia esta lei das que criam cotas raciais é que estas últimas são mais explícitas quanto ao seu “público alvo”. A ECR-3 na prática atinge principalmente brancos de determinadas origens, estimulando seu fracionamento étnico em relação a uma unidade dentro da identidade étnica brasileira similarmente às cotas raciais e étnicas.

    O Marechal Deodoro, em 1890, permitiu a imigração de pessoas de todos os países, mas dificultou para aqueles vindos da África e da Ásia: http://nacaomestica.org/blog4/?p=437. Formalmente, um branco da Ásia e da África teria maior dificuldade de migrar para o Brasil do que um amarelo ou um preto com cidadania de um país europeu, mas a possibilidade disto ocorrer na prática era mínima.

    Na Declaração Universal dos Direitos Humanos, art. XV, (http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm) é afirmado:

    “1. Toda pessoa tem direito a uma nacionalidade.
    “2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade.”

    Ou seja, a Declaração Universal dos Direitos Humanos não está se referindo a direito a múltiplas cidadanias ou nacionalidades e mesmo se estivesse se referindo, a ECR-3 não atenderia a esta hipotética previsão, pois ela limita este direito a múltipla cidadania apenas a quem possui “reconhecimento de nacionalidade originária por lei estrangeira” e não a todo brasileiro.

    No artigo não se critica a naturalização de estrangeiros que optam por mudar de nacionalidade e ser brasileiros, nem o direito de brasileiros optarem por deixar de ser brasileiros e adotarem outra cidadania e nacionalidade. Não há problema nenhum neste sistema, que já existia antes da ECR-3.

    Na prática a ECR-3 favorece principalmente brancos de determinadas origens, da mesma forma que quando estabelecem uma legislação a favor de homologagação de territórios indígenas ou quilombolas, os brancos beneficiados são muito raros.

    Parece improvável que a ECR-3 tenha sido feita para os descendentes de orientais (amarelos, nos termos do IBGE) do Brasil, em sua maioria descendente de japoneses, pois o Japão não admite dupla cidadania (http://www.scribd.com/doc/5523356/A-Constituicao-do-Japao). A China também não (http://www.china.embassy.gov.au/bjng/Consular3_2.html).

    Esta lei na prática atinge brancos descendentes de imigrantes de origem italiana, libanesa, israelense, portuguesa, p. ex., pois este países admitem dupla cidadania. Os brasileiros indígenas, pardos, pretos e os brasileiros descendentes de colonos portugueses (a maioria deles mestiços, mesmo aparentando ser brancos), formariam outro “segmento” não atingido por esta lei.

    O artigo não afirma que “Jus sanguini é direito por ter ‘sangue puro'”; o artigo afirma que “Nacionalidade originária jus sanguinis deriva da ancestralidade, do sangue, podendo a pureza de origem ser fator para concedê-la ou não, conforme a legislação estrangeira.”. Ou seja, cada legislação estrangeira possui a sua regra: sistema italiano (http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7937 – artigo que esclarece esta questão da Declaração Universal dos Direitos Humanos), libanês (http://www.soulibanes.com.br/libano_requisitos.htm), israelense (http://www.cafetorah.com/Lei-de-Retorno-dos-Judeus-Para-Israel), portuguesa (http://cidadaniaportuguesa.com.sapo.pt/); isto varia de país para país.

    Assim, o artigo não discorda de você, quando diz que nacionalidade originária jus sanguinis “significa transmissão hereditária do direito”. Se um esquimó tiver cidadania italiana passará este direito para seu filho. Isto também se enquadra na mesma situação prática: quantos italianos esquimós você conhece?

    Diferentemente dos “tribunais raciais” das cotas, que “bem ou mal” estão sob a ordem jurídica nacional, a conceção de cidadania estrangeira fica sob a ordem jurídica estrangeira e seus tribunais, o que implica numa interferência (intencional ou não) de um poder externo na questão étnica e identitária nacional. Por isto muitos Estados rejeitam a múltipla cidadania.

    O artigo, porém, visa mostrar que as ideologias e políticas de fragmentação étnica e racial do povo brasileira são mais amplas e mais antiga do que as leis de cotas raciais e étnicas aparentam, e incluem também a divisão étnica da população branca, nos moldes da Europa, EUA, Canadá e África do Sul.

  5. Ricieri says

    Essa lei aplica-se a orientais, descendentes de angolanos, quenianos, nativos da oceania, etc.
    Onde está escrito que é só para eurodescendentes?

    Ela se baseia no artigo da declaração universal dos direitos humanos onde diz que todos tem direito a uma nacionalidade, e a mudar a mesma, inclusive.

    Aliás, outros países do mundo, inclusive os europeus, não tem nenhum tipo de reclamação em ter cidadãos que se naturalizem em outras nacionalidades, também.

    Jus sanguini não é direito por ter “sangue puro”, como os críticos estão afirmando. Significa transmissão hereditária do direito. Existem várias formas de se obter cidadania na Itália, por exemplo, e um esquimó que se tornar cidadão italiano transmitirá a cidadania a filhos e netes. Isso é jus sanguini.

Continuing the Discussion

  1. Dilma promove mais imigração síria que os governos da Europa – linked to this post on 31/01/2016

    […] de viés multiculturalista, caso tenham filhos no Brasil, não poderão ser expulsos do país e seus filhos terão direito a dupla cidadania, o que é negado a brasileiros não descendentes de imigrantes ou que não tenham nacionalidade […]



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