Você já notou que no Brasil, em geral, quase não há divisão dos espaços entre populações desta ou daquela “raça”, etnia, nacionalidade? Vivemos desde sempre todos juntos, misturados, miscigenados.
Esse é o legado da miscigenação, descrito monumentalmente por Gilberto Freyre.
Polímata na melhor acepção do termo. Antropólogo, sociólogo, escritor, ensaísta, historiador, poeta e pintor.
Em “Casa Grande & Senzala” descreveu um Brasil que o próprio Brasil não conhecia por completo.
No “maior dos livros brasileiros” (segundo Darcy Ribeiro), Freyre nos apresenta um nação formada sobre uma livre e profícua miscigenação, ainda que com a triste marca da escravidão; uma “vigorosa e dúctil população mestiça”, desde os tempos de colônia.
Uma miscigenação iniciada por índios, negros e portugueses.
Segundo Freyre, “Todo brasileiro, mesmo o alvo, de cabelo louro, traz na alma, quando não na alma e no corpo, a sombra, ou pelo menos a pinta, do indígena ou do negro”.
E continua: “[…] Na ternura, na mímica excessiva, no catolicismo em que se deliciam nossos sentidos, na música, no andar, na fala, no canto de ninar menino pequeno, em tudo que é expressão sincera de vida, trazemos quase todos a marca da influência negra.”
Não seria outro o resultado do encontro entre nativos e portugueses, de origem igualmente mista, “População indecisa no meio dos dois bandos contendores [nazarenos e maometanos], meia cristã, meia sarracena, e que em ambos contava parentes, amigos, simpatias de crenças[…]”.
Essas raízes encontraram no Brasil terreno fértil para a formação de algo como uma gigantesca família.
“A família, não o indivíduo, nem tampouco o Estado nem nenhuma companhia de comércio, é desde o século XVI o grande fator colonizador no Brasil.”
“Antes de vitoriosa a colonização portuguesa do Brasil, não se compreendia outro tipo de domínio europeu nas regiões tropicais que não fosse o da exploração comercial […].” Não houve permanência nem adaptação em outro lugar como no Brasil.
Formou-se assim uma nação que é como que uma grande e miscigenada família, com todos os problemas de uma família, mas também com a confiança mútua, o amor e o respeito às diferenças que só há em uma família.
E essa compreensão valiosíssima devemos a Gilberto Freyre.
“Gilberto Freyre, de certa forma, fundou, ou pelo menos espelhou, o Brasil no plano cultural tal como Cervantes à Espanha, Camões à Lusitânia, Tolstói à Rússia, Sartre à França.” Darcy Ribeiro.
Fontes: Casa Grande & Senzala, 51a edição, Editora Global, 2006.
De SECOM, 16/10/2020.
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